As discussões em torno do tema dos benefícios fiscais do ICMS são inacabáveis. O histórico desses incentivos é conturbado pelas constantes alterações legislativas, jurisprudenciais e normativas. Os contribuintes enfrentam um verdadeiro cenário de insegurança jurídica diante de leis complexas e autuações de um Fisco que parece ter total soberania em sua atuação.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) desempenhou um papel de altíssima relevância na unificação e no esclarecimento do entendimento a ser aplicado quanto aos benefícios fiscais do ICMS quando do julgamento do Tema 1.182. Esse julgamento, que tomou parte ainda durante a vigência do artigo 30 da Lei n. 12.973/14, estabeleceu três teses de grande importância para a elucidação da matéria.
A primeira delas determinou que seria possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10 da Lei Complementar n. 160/17 e art. 30 da Lei n. 12.973/14), não sendo aplicável a eles o entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
A segunda tese complementa a primeira, indicando que, para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou à expansão de empreendimentos econômicos, de forma que seriam verdadeiras as subvenções de investimento.
Por fim, a terceira tese estipulou que a Receita Federal poderia proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, fosse verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.
Após a inserção da Lei n. 14.789/23 no ordenamento jurídico brasileiro, com a revogação total do artigo 30 da Lei n. 12.973/14, o parecer do Tema 1.182/STJ, em determinadas situações, continuou sendo aplicado pelos tribunais em razão dos preceitos processuais vigentes que ordenam juízes e tribunais a observar e aplicar decisões tomadas pelos tribunais superiores (art. 927, III do Código de Processo Civil).
No entanto, em 20 de setembro de 2024, a Receita Federal, em verdadeira extrapolação de poder, anunciou, por meio de comunicado institucional disponibilizado em seu site na internet, que não seguirá o estabelecido pelo poder judiciário em suas autuações.
Referido comunicado infere a emissão, nos últimos meses, de alertas de conformidade aos contribuintes para que corrijam supostas “irregularidades” sob pena de fiscalização e lavratura de auto de infração, com o intuito de identificar “exclusões indevidas” que “não encontram amparo jurídico na legislação fiscal, tampouco na jurisprudência qualificada do Superior Tribunal de Justiça”.
As “irregularidades” que o órgão fazendário aponta seriam, justamente, as situações em que o STJ determinou que os contribuintes têm o direito de excluir os benefícios do ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Ao afirmar que a exclusão dos benefícios da base de cálculo do IRPJ e da CSLL carece de respaldo legal, o Fisco sustenta que esses benefícios não impactam o patrimônio ou o lucro dos contribuintes, mesmo argumento que foi apresentado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e refutado durante o julgamento do Tema 1182.
Ignorando a decisão do STJ, a Receita aparenta querer penalizar aqueles que optarem por seguir a orientação judicial estabelecida. Isso indica que os contribuintes devem manter os benefícios fiscais de isenção e redução na base de cálculo do IRPJ e CSLL, sob risco de passarem por fiscalização e serem autuados. A separação de poderes é um princípio fundamental do Estado de Direito e uma cláusula pétrea prevista na Constituição Federal de 1988. Esse princípio desempenha um papel crucial na prevenção de abusos de poder e na salvaguarda das liberdades.
No contexto jurídico atual, com o poder executivo afrontando a atuação legítima do poder judiciário que deu interpretação final às normas jurídico-legais do poder legislativo, esse princípio é completamente abalado e desrespeitado. As indevidas autuações que vierem a ocorrer após o posicionamento da Receita Federal irão gerar uma bola de neve de litígios, mantendo a vulnerabilidade jurídica dos contribuintes e aumentando o trabalho do poder judiciário que arcará com as consequências de um desequilíbrio jurídico-social.
Portanto, a posição da Receita Federal resulta em desperdício de tempo e recursos para o Fisco e para os contribuintes, além de sobrecarregar o já complexo sistema de contencioso tributário.
Por:
Amanda Costabeber Guerino – OAB/RS 120.044
Camilli Gross – Acadêmica de Direito